Está prestes a ser votado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) um projeto de lei que regulamenta o consumo e o comércio de cigarros eletrônicos (PL 5.008/2023). Também chamados de vapes, atualmente esses produtos são vendidos ilegalmente no país. A proposta é cercada de controvérsias: uma das preocupações é o consumo precoce dos jovens, principais usuários do produto. Segundo a pesquisa Covitel 2023, pelo menos 4 milhões de brasileiros já utilizaram o dispositivo.
O assunto coloca em lados opostos a indústria do tabaco e entidades de saúde. Essa divisão também existe entre os senadores, embora todos concordem que é necessário proteger os jovens.
Para a autora do projeto, Soraya Thronicke (Podemos-MS), a regulamentação permitirá um melhor controle do comércio, inclusive com o combate às vendas ilegais, e viabilizará uma melhor proteção dos potenciais consumidores — especialmente crianças e adolescentes. O senador Eduardo Gomes (PL-TO), relator da matéria, tem a mesma opinião. Eles também avaliam que, na prática, a proibição hoje vigente é ineficaz. “As pessoas vão continuar usando e comprando, e por isso é preciso haver uma regulamentação adequada”, argumenta Dr. Hiran (PP-PR). A iniciativa conta com o apoio da indústria do tabaco; seus representantes afirmam que as novas regras vão gerar mais empregos e mais arrecadação por parte do governo.
Para os que são contra a regulamentação, como Zenaide Maia (PSD-RN) e Eduardo Girão (Novo-CE), a liberação do produto é um risco à saúde pública e levará a um consumo ainda maior entre os jovens. Isso poderia ampliar o número de casos de câncer e, como consequência, os gastos do Sistema Único de Saúde – SUS. Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) lembra que tanto a Anvisa quanto associações médicas em vários países se opõem ao uso de cigarros eletrônicos. Já Humberto Costa (PT-PE) avalia que “esses produtos podem provocar danos muito mais rápida e intensamente do que o cigarro tradicional”. A Organização Mundial da Saúde (OMS) se posicionou claramente contra os vapes; seu diretor-geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarou que esses dispositivos são vendidos para os jovens “para torná-los dependentes da nicotina”.
O projeto
O cigarro eletrônico é conhecido por nomes como vape, pod, e-cigarettes e tabaco aquecido, entre outros — no jargão oficial, ele é chamado de Dispositivo Eletrônico para Fumar. Esses produtos são vendidos em diversos sabores, e podem ser descartáveis ou não. Mas essa venda é ilegal. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe a comercialização, a fabricação e a propaganda desses itens. Essa proibição, no entanto, não se estende ao consumo.
O PL 5.008/2023, de autoria da senadora Soraya Thronicke, autoriza o consumo, a produção, a comercialização, a exportação e a importação dos dispositivos. E também trata do controle, da fiscalização e da propaganda dos cigarros eletrônicos.
O texto proíbe a venda ou o fornecimento para menores de 18 anos e prevê que quem desobedecer essa regra estará sujeito a multa de R$ 20 mil a R$ 10 milhões, além de detenção de dois a quatro anos.
O projeto também determina que os vapes deverão ter registro junto à Anvisa, à Receita Federal, ao Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e, no caso daqueles que dispuserem de tecnologias que permitam comunicabilidade, também junto à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Outra exigência é a apresentação de laudo de avaliação toxicológica à Anvisa.
Além disso, o texto contém regras parecidas com as do cigarro convencional, como a proibição do consumo em locais fechados e também de sua propaganda (a não ser no próprio ponto de venda ou em comércio eletrônico com controle de maioridade).
Atualmente, o projeto está em análise na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), onde seu relator é o senador Eduardo Gomes.
A favor da regulamentação
Para Soraya Thronicke, a regulamentação é necessária para viabilizar o controle da produção, do comércio e da propaganda do cigarro eletrônico. E também permitirá evitar que esses produtos sejam oferecidos a crianças e adolescentes. Hoje, ressalta ela, qualquer pessoa pode comprar o dispositivo por meio do comércio informal (como os camelôs) ou pela internet.
Eduardo Gomes, que apresentou relatório favorável à proposta, apresenta argumentos semelhantes aos de Soraya.
“A demanda pelos cigarros eletrônicos é crescente, o que indica que o consumidor não tem dificuldade para encontrar o produto. Logo, a proibição da Anvisa é ineficaz em coibir o consumo. A regulamentação do mercado se faz ainda mais necessária para proteger o consumidor de produtos adulterados e para permitir legalizar a fabricação e a importação”, diz ele.
Outro senador que defende o projeto é Dr. Hiran (PP-RR), que é médico. Ele ressaltou que “as pessoas vão continuar usando e continuar comprando, e por isso é preciso haver uma regulamentação adequada”.
— O que a gente tem de fazer é minimizar os riscos: dizer que faz mal; fazer uma propaganda eficiente [de conscientização], como é a propaganda contra o tabaco no país. Nós temos de realmente taxar com muita veemência. Temos de direcionar tudo que for arrecadado em termos de tributos para o Sistema Único de Saúde [SUS], que está sobrecarregado com doenças causadas pelo uso da nicotina — declarou Hiran em audiência pública realizada em maio.
Segundo Eduardo Gomes, outros benefícios da iniciativa seriam a geração de empregos e o aumento da receita tributária. Em seu relatório, ele cita estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais – Fiemg, segundo o qual há uma demanda potencial por cigarros eletrônicos de R$ 7,5 bilhões por ano, que, se concretizada, poderia levar à criação de até 114 mil novos postos de trabalho (formais e informais).
O estudo da Fiemg também indica que a regulamentação levaria a um aumento de R$ 673 milhões por ano na arrecadação do governo. Os setores que mais contribuiriam para isso seriam o de fabricação de produtos de fumo (R$ 135,9 milhões) e o da agricultura (R$ 113,24 milhões).
Outra entidade que apoia a iniciativa é a Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), que em 20 de agosto divulgou uma nota em defesa do projeto. A Abifumo enfatiza que “a proibição dos cigarros eletrônicos já se mostrou ineficiente” e “a regulamentação é realidade em mais de 80 países, como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Suécia e Nova Zelândia”.
“Os países desenvolvidos encontraram maneiras de restringir os produtos a adultos fumantes como alternativas de menor risco, como cientificamente comprovado. (…) Somente o avanço deste tema no Congresso poderá estabelecer parâmetros de composição, restrições a embalagens e sabores apelativos, controle dos pontos de vendas, entre diversos outros aspectos que hoje são amplamente ignorados pela clandestinidade”, diz o documento.
Contra a regulamentação
Os senadores contrários ao projeto também apresentam uma série de argumentos. Um dos principais é a atração que os cigarros eletrônicos exercem sobre os jovens, iniciando-os no tabagismo — o que pode aumentar ainda mais o número dos casos de câncer de pulmão.
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) já apontava, em 2019, que “a maior prevalência de uso atual de DEF [Dispositivo Eletrônico para Fumar] foi observada na faixa etária de 15 a 24 anos (2,38%), perfazendo 70% dos consumidores atuais de DEF”.
De acordo com essa pesquisa, “o uso entre adultos maiores de 24 anos foi inferior a 1%, o que mostra que o produto não é usado nem como medida de cessação, nem como medida para redução de riscos, mas sim como produto destinado ao consumo por jovens”.
— É uma tolice sem tamanho dizer que, se regulamentar, vai controlar. Se hoje, mesmo com a proibição da Anvisa, já não há controle, imaginem se a lei disser que pode. Aí, sim, nós vamos ter o caos. Vamos ter mais jovens morrendo de câncer. Em nenhuma hipótese nós podemos aprovar isso — criticou Oriovisto Guimarães durante audiência pública realizada no dia 20 de agosto.
O senador Eduardo Girão tem opinião semelhante. Para ele, “legalizar os cigarros eletrônicos na esperança de que iremos diminuir o comércio paralelo é uma falácia. Temos de seguir as normativas da Anvisa, que se manifestou pela manutenção da proibição [em abril deste ano]”. Além disso, o senador defende mais fiscalização e um maior controle das fronteiras, dos locais de venda e das redes sociais.
Girão é autor de um projeto de lei que proíbe a fabricação, a importação, a comercialização e a publicidade de cigarros eletrônicos: o PL 4.356/2023. Essa matéria está em análise na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).
Fonte: Agência Senado